Número de exames foi o que mais caiu: de 13,1 milhões para 8,8 milhões
Por Bruno Alfano / Leonardo Ribeiro
RIO — Dona Hilda Bragança caiu de uma cama aos 100 anos de idade. A moradora de Campo Grande fissurou o fêmur no último dia 30 após um tombo dentro de casa. Procurou socorro no Hospital Municipal Rocha Faria, mas não conseguiu uma cirurgia imediata. Segundo a família, o tempo de internação piorou o estado de saúde da idosa, que agora só se alimenta por uma sonda. O drama da carioca centenária é um exemplo da crise na rede municipal de saúde do Rio. Com R$ 550 milhões do orçamento bloqueados e pelo menos 120 leitos fechados nos últimos meses em diversas unidades por falta de recursos, esse cenário já se reflete nas estatísticas do desempenho da rede da Secretaria municipal de Saúde (SMS). Entre janeiro e setembro, a SMS teve um saldo de 3,9 milhões de procedimentos a menos — entre exames, consultas e cirurgias —, em comparação com o mesmo período de 2016, segundo dados obtidos pelo GLOBO no sistema DataSus do Ministério da Saúde.
No total, a Secretaria municipal de Saúde realizou, entre janeiro e setembro do ano passado, 44,8 milhões de procedimentos. Este ano, nos nove primeiros meses, foram 40,9 milhões (8,6% a menos). Enquanto isso, segundo estimativas do IBGE, a população do Rio aumentou de 6,4 milhões para 6,5 milhões (1,5%), de 2016 para 2017. Dentro desse universo, o número de exames realizados foi o que mais caiu: despencou de 13,1 milhões para 8,8 milhões (32,8% a menos). As consultas recuaram de 20,6 milhões para 18,8 milhões (1,8 milhão ou 8,7% a menos), e as cirurgias passaram de 506 mil para 407 mil no período (queda de 19,56%).
A redução dos procedimentos seria ainda mais drástica não fossem dois itens que subiram: a quantidade de próteses e similares fornecidas pela secretaria aumentou de 320 mil para 381 mil; e as ações de prevenção em saúde (atendimentos nas clínicas da família) passaram de 10 milhões para 12 milhões. Todos esses números — tanto os do ano passado como os de 2017 — no entanto, poderão ser atualizados pelo DataSus.
CLÍNICAS DA FAMÍLIA LIMITAM SEUS HORÁRIOS
Em outubro, O GLOBO mostrou que 244 mil pacientes aguardavam consultas, exames ou cirurgias na rede municipal de Saúde, segundo a subsecretária de Regulação, Controle, Avaliação, Contratualização e Auditoria, Claudia da Silva Lunardi. O número é, aproximadamente, 80% maior do que o registrado no fim do ano passado, quando 134 mil pacientes esperavam por atendimento.
E as estatísticas da saúde no Rio podem piorar nos últimos meses do ano, devido a uma greve dos profissionais de Organizações Sociais (OSs) que prestam atendimento na rede. O presidente da Associação de Medicina de Família e Comunidade, Moisés Vieira Nunes, afirma que 170 das 227 unidades de atenção básica (centros de saúde e clínicas da família) estão em greve há três semanas devido a atrasos nos salários. Nelas, só 30% dos funcionários estão trabalhando.
— Não temos, hoje, condição de tratar uma pneumonia leve, porque não há antibióticos. É preciso mandar o paciente para um hospital — diz Moisés, que trabalha numa clínica na Rocinha.
Moisés identifica outro problema: por economia, várias unidades que funcionavam até as 20h passaram a fechar mais cedo, limitando os atendimentos. Em Santa Cruz, alguns postos param às 17h. Na Rocinha, o expediente agora se encerra às 18h, e a unidade deixou de funcionar aos sábados.
No contato com pacientes e seus parentes, as estatísticas se transformam em relatos dramáticos.
— Minha mãe entrou no hospital com um quadro bom, poderia ser operada, mas disseram que não tinha vaga. E o quadro dela só foi piorando. Ela teve infecção urinária, e, depois de fazer o tratamento, os rins começaram a parar. Agora, está em estado muito grave — conta Míriam Bragança, de 66 anos, filha de dona Hilda.
Já no Hospital Ronaldo Gazolla, o problema é com o aparelho de colonoscopia. A unidade está com o centro cirúrgico fechado por falta de insumos e, por isso, não pode realizar o procedimento. Os salários dos funcionários também estão atrasados. Os pacientes de 85 clínicas da família da Zona Norte também estão, desde o dia 13, sem poder fazer quaisquer exames, porque o contrato com a empresa que prestava o serviço foi encerrado.
A falta de recursos está na origem dos problemas enfrentados pela rede de saúde da prefeitura. Na semana passada, um relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM) apresentou um retrato da situação. Em comparação a 2016, a despesa da prefeitura com a pasta caiu 10,77%.
O quadro não parece animador para 2018. A proposta de orçamento que o prefeito Marcelo Crivella enviou para a Câmara totaliza cerca de R$ 5,4 bilhões. Mas em reunião com vereadores, o secretário de Saúde, Marco Antonio de Mattos, disse que se não conseguir recursos para fechar 2017 sem dívidas, vai precisar de R$ 6,6 bilhões em 2018 para quitar débitos e manter a rede de saúde funcionando.
Por e-mail, a Secretaria de Saúde reconhece que há uma redução na realização de procedimentos, mas alega que também ocorreu mudança de metodologia dos registros entre os dois períodos analisados, o que afetou a contagem. “Houve alterações na metodologia de registro da produção de procedimentos da pasta a partir de agosto de 2016, que afetaram a informação sobre produção das unidades, particularmente aquelas que não têm prontuários eletrônicos, como os hospitais da rede própria, sobretudo os de emergência, e as policlínicas”, disse a pasta, em nota. “Essas mudanças provocaram uma perda de informações sobre produção bastante significativa em todas as unidades de saúde da Rede SUS”, completou.
O órgão diz ainda que solicitou à Controladoria auditoria nos 27 contratos com OSs para a gestão de unidades de saúde. E garante que os repasses às OSs são feitos mensalmente. Quanto à paciente Hilda, afirma que exames feitos quando ela entrou no Rocha Faria apontaram anemia e infecção urinária, tornando a cirurgia arriscada. Segundo o hospital, o quadro da idosa se estabilizou, estando apta para a cirurgia, embora, por decisão judicial, ela tenha de ser transferida para o Into.
Fonte: Jornal O Globo