Bernard Fisher: o homem que revolucionou o tratamento do câncer de mama

Por Dr Antonio Carlos Jardim

Em agosto de 2018, Bernard Fisher, o homem que revolucionou o tratamento do câncer de mama, completou seu centenário. Bernard Fisher graduou-se em Medicina em 1943, na Universidade de Pittsburgh, Pensilvania, onde também foi Residente em Cirurgia Geral e Vascular.

Terminada a Residência Médica, foi nomeado Professor Assistente do Departamento de Cirurgia Geral da Universidade de Pittsburgh, e fundou o Laboratório de Pesquisas em Cirurgia Experimental, onde realizou inúmeros estudos sobre rejeição de transplantes de órgãos. As primeiras cirurgias de transplante renal foram realizadas por Fisher.

 

Realizou Fellowship em Cirurgia experimental na Universidade da Pensilvania e na London Postgraduate Medical School, também na área de transplantes de órgãos.

Retornou ao departamento de Cirurgia da Universidade de Pittsburgh e em 1957, foi convidado pelo NIH, a integrar um grupo de 23 cirurgiões para fundar o NSABP.

Nesta época, os primeiros Clinicals Trials para avaliar a eficácia de terapias sistêmicas em pacientes portadores de câncer, estavam se desenvolvendo e Fisher, um cirurgião especializado em transplantes de órgãos, começou a estudar Bioestatística e Biologia tumoral.

Sem a mínima experiência em oncologia, teve especial interesse na biologia das metástases e se impressionou com o total desconhecimento e desinteresse dos cirurgiões da época em entender o comportamento biológico do câncer de mama. Nesta ocasião convidou seu irmão Edwin, patologista da Universidade da Pensilvânia a integrar o Staff do NSABP.

 

Em 1958, participou do 1º Clinical Trial randomizado desenvolvido pelo NSABP com 800 mulheres, que avaliou o impacto da adição de Thiotepa na sobrevida de pacientes portadoras de câncer de mama, submetidas a mastectomia radical.

Em maio de 1967, Bernard Fisher foi nomeado Chairman do NSABP e a partir deste momento realizou inúmeros clinical trails que revolucionaram o tratamento do câncer de mama.

 

Fisher e seu grupo, estudaram exaustivamente o comportamento biológico das metástases e concluíram que o câncer de mama era uma doença sistêmica desde o momento do diagnostico, propondo uma mudança radical na forma de tratamento.

Até então predominava a ideia desenvolvida por Halsted, que o câncer de mama era uma doença de evolução loco-regional e portanto, quanto mais abrangente a cirurgia, maiores as possibilidades de cura.

 

Fisher mostrou que o câncer de mama desde o momento do diagnostico, poderia se propagar por via linfática para outros órgãos e portanto, realizar cirurgias altamente agressivas e mutiladoras, não melhorariam as taxas de sobrevida das pacientes, além de provocar aumento nas taxas de morbidade.

Portanto a realização das chamadas cirurgias conservadoras com a adição de Radioterapia e Quimioterapia teriam os mesmos resultados que as mastectomias radicais, com a vantagem de resultados cosméticos muito superiores.

Esta mudança radical na forma de entender e tratar o câncer de mama ficou internacionalmente conhecida como O PARADIGMA DE FISHER. No final dos anos 70 do século passado, Fisher foi o primeiro a propor que a Tumorectomia alargada poderia ser tão eficaz quanto a mastectomia radical no tratamento do câncer de mama, o que gerou forte reação em toda comunidade medica internacional, que se guiava pela teoria Halstediana.

 

Em 1985, a prestigiada revista medica New England Journal of Medicine, finalmente concordou em publicar os Trials B 06 e B 04 do NSABP, que mostravam de forma inequívoca que Mastectomia total + Radioterapia e Tumorectomia + Radioterapia seguidas de Quimioterapia eram tão eficazes quanto a mastectomia radical no tratamento do câncer de mama.

 

Sob o comando de Bernard Fisher o NSABP realizou inumeros Clinical Trials mostrando a importância do tratamento sistêmico no câncer de mama, inclusive com a inclusão de novas drogas como os Taxanos.

Mostrou também que a localização do tumor não tinha impacto na sobrevida, como se pensava anteriormente e também desenvolveu o Trial que mostrou a capacidade do Tamoxifen em atuar de forma preventiva, reduzindo em até 42% a incidência de câncer de mama em pacientes de alto risco.

 

Em 1990 os pesquisadores do NSABP detectaram que 99 pacientes oriundos do Hospital Saint Luc em Montreal, tiveram seus dados falseados pelo Dr. Roger Poisson.

Fischer imediatamente denunciou este fato ao NCI e os dados estatísticos mostraram que a alteração dos dados destes pacientes não influenciaram estatisticamente as conclusões dos Trials envolvidos.

 

Mesmo assim, em 1994, Bernard Fisher foi injustamente acusado de esconder este fato e o NIH, a Universidade de Pittsburgh, o NCI e o ORI o demitiram do NSABP, o que na época teve repercussão internacional, tanto na comunidade cientifica, quanto na imprensa leiga.

 

Entretanto, Fisher processou seus acusadores, e provou que os investigadores do NSABP foram os primeiros a denunciar o falseamento dos dados, que não tiveram impacto nas conclusões dos trials envolvidos e em 1997, foi considerado inocente. (NOT GUILTY)

 

Recebeu na ocasião $2.75 milhões de dólares da Universidade de Pittsburgh a titulo de indenização por danos morais, mais $300 mil dólares do NIH para pagar custas judiciais do processo, inúmeras declarações de desculpas das Instituições envolvidas e foi reconduzido ao cargo de Chairman do NSABP .

 

Bernard Fisher, um cirurgião com alma de pesquisador e de oncologista clinico, publicou mais de 600 artigos científicos em revistas medicas, foi Presidente da ASCO, Membro da National Academy of Sciences e Fellow da American Association For The Advancement of Sciences.

 

Ganhou inúmeros prêmios de varias associações medicas internacionais.

Sem a menor sombra de duvida, podemos afirmar que Bernard Fisher foi o maior nome da oncologia mamaria de todos os tempos e que os trials do NSABP em muito contribuíram para reduzir a morbidade e a mortalidade do câncer de mama.